terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A CASA DA MARIQUINHAS : uma canção escrita por João Silva Tavares e interpretada por Alfredo Marceneiro

25 de Fevereiro de 2011 21h40  canal RTP Memória
emissão dedicada ao  
120º Aniversário de nascimento de Alfredo Marceneiro

http://letras.terra.com.br/alfredo-marceneiro/379143/
Olá Miguel :
           Na tua última carta escrevias  sobre um  fado muito famoso,  cantado por Amália Rodrigues Vou dar de beber a dor  cuja adaptação francesa chama-se la maison sur le port . Querias saber  porque às vezes a gente chama  este fado A casa da Mariquinhas. Dizias que tens um CD de fados do Alfredo Marceneiro com uma canção diferente e incomparável que se titula precisamente  A casa da Mariquinhas . Pois percebi bem que  querias alguns esclarecimentos. Pude reunir-te as informações que seguem : 

A casa de Mariquinhas é um celebre fado cuja letra é da autoria  do jornalista e poeta João Silva Tavares , interpretado magistralmente por Alfredo Duarte (1891-1982)  - alcunhado de  Marceneiro, o seu primeiro oficio - . Encontrar a data da criação deste fado é muito difícil : alguns dizem anos 30-40, outros anos cinquenta. Uma certeza : foi gravado só em 1961. Gravar não era a primeira preocupação dos fadistas...

Este fado que se inspira da vida nocturna de Lisboa, cria uma personagem de ficção - a Mariquinhas - e uma casa que parece tão realista que o próprio Alfredo Marceneiro  com as ferramentas do seu oficio , construiu  um modelo reduzido da casa da Mariquinhas a escala de 1/10 que se pode ver no museu do Fado no bairro da Alfama.
  • "É numa rua bizarra / A casa da Mariquinhas / Tem na sala uma guitarra / E janelas com tabuinhas..."
O texto do João Silva Tavares foi uma fonte de inspiração para outros autores e fadistas : cada um imaginou uma continuação comovedora,  triste e cheia de nostalgia : a casa está fechada e /ou leiloada; que aconteceu  "à formosa Mariquinhas" ?.. Não estamos longe dum novo mito. Assim nasceram , entre outras canções
  • Vou dar de beber a dor (Alberto Janes //Amalia Rodrigues) : "o tempo cravou a garra na alma daquela casa",
  • O leilão da casa da Mariquinhas ( Linhares Barbosa//Alfredo Marceneiro) : "e até das próprias janelas / Venderam-lhe as tabuinhas".
  • Vou dar de beber a alegria (Herminia Silva)
  • O testamento da Mariquinhas ( Alfredo Marceneiro//Lopes Victor)
  • Já sabem de Mariquinhas  (Alfredo Marceneiro // Carlos Conde)
  • .....
A Casa de Mariquinhas, só  uma casa de passe ?:

Quanto à casa da Mariquinhas era uma casa de passe  onde moravam prostitutas; em Portugal essas casas foram toleradas até o ano 1962, mas deviam ser discretas. Ficavam nas ruas um pouco afastadas das grandes ruas :  "é numa rua bizarra".  Las prostitutas não deviam  convidar o aliciar os transeuntes pelas janelas: assim explicam-se as "janelas com tabuinhas".

É claro, esta casa de passe  é um lugar de prazer sexual  mais também, de noite,  um lugar animado onde  não se toca piano - instrumento das raparigas da burguesia - senão "onde como no campo a cigarra / Se canta fado à guitarra"  instrumento dos bairros populares de Lisboa. O decoro é esquisito quase de mau gosto com "quadros de gosto magano" ... A pesar do cofre forte tudo é bastante pobre, parco e "no fundo não vale nada ": "o gás acabou e ilumina-se a petróleo". A casa desperta a curiosidade bastante malevolente das vizinhas... A letra do leilão - outro fado - diz " a vizinhança zangou-se / fez um abaixo-assinado, /diziam que havia fado ali até madrugada"...

Uma casa de passe decerto,  mas uma casa de janelas que se revela à  nós cativante pela magia da letra, da melodia e sobre tudo da voz do Alfredo Marceneiro - Linhares Barbosa escrevia em 1937 :

Tem na garganta um não sei quê de estranho,
Que perturba e nos faz cismar:
É dor? É medo? São visões d'antanho?
Amor? Ciúme? É choro? É gargalhar?

É voz do fado - dizem - e eu convenho
Que ande na sua voz a voz do mar,
Onde Portugal se fez tamanho
E aprendeu a cantar e a soluçar.

O Marceneiro tem aquela atroz
Sonância d'onda infrene que em rochedo
Fareja e morde, impiedosa e algoz.
É voz roufenha que nos mete medo,

Mas que atrai, que seduz... É bem a voz
Do fado rigoroso, a voz do Alfredo.



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