25 de Fevereiro de 2011 21h40 canal RTP Memória :
emissão dedicada ao
120º Aniversário de nascimento de Alfredo Marceneiro
http://letras.terra.com.br/alfredo-marceneiro/379143/
Olá Miguel :
Na tua última carta escrevias sobre um fado muito famoso, cantado por Amália Rodrigues Vou dar de beber a dor cuja adaptação francesa chama-se la maison sur le port . Querias saber porque às vezes a gente chama este fado A casa da Mariquinhas. Dizias que tens um CD de fados do Alfredo Marceneiro com uma canção diferente e incomparável que se titula precisamente A casa da Mariquinhas . Pois percebi bem que querias alguns esclarecimentos. Pude reunir-te as informações que seguem :
A casa de Mariquinhas é um celebre fado cuja letra é da autoria do jornalista e poeta João Silva Tavares , interpretado magistralmente por Alfredo Duarte (1891-1982) - alcunhado de Marceneiro, o seu primeiro oficio - . Encontrar a data da criação deste fado é muito difícil : alguns dizem anos 30-40, outros anos cinquenta. Uma certeza : foi gravado só em 1961. Gravar não era a primeira preocupação dos fadistas...
Este fado que se inspira da vida nocturna de Lisboa, cria uma personagem de ficção - a Mariquinhas - e uma casa que parece tão realista que o próprio Alfredo Marceneiro com as ferramentas do seu oficio , construiu um modelo reduzido da casa da Mariquinhas a escala de 1/10 que se pode ver no museu do Fado no bairro da Alfama.
- "É numa rua bizarra / A casa da Mariquinhas / Tem na sala uma guitarra / E janelas com tabuinhas..."
O texto do João Silva Tavares foi uma fonte de inspiração para outros autores e fadistas : cada um imaginou uma continuação comovedora, triste e cheia de nostalgia : a casa está fechada e /ou leiloada; que aconteceu "à formosa Mariquinhas" ?.. Não estamos longe dum novo mito. Assim nasceram , entre outras canções
- Vou dar de beber a dor (Alberto Janes //Amalia Rodrigues) : "o tempo cravou a garra na alma daquela casa",
- O leilão da casa da Mariquinhas ( Linhares Barbosa//Alfredo Marceneiro) : "e até das próprias janelas / Venderam-lhe as tabuinhas".
- Vou dar de beber a alegria (Herminia Silva)
- O testamento da Mariquinhas ( Alfredo Marceneiro//Lopes Victor)
- Já sabem de Mariquinhas (Alfredo Marceneiro // Carlos Conde)
- .....
A Casa de Mariquinhas, só uma casa de passe ?:
Quanto à casa da Mariquinhas era uma casa de passe onde moravam prostitutas; em Portugal essas casas foram toleradas até o ano 1962, mas deviam ser discretas. Ficavam nas ruas um pouco afastadas das grandes ruas : "é numa rua bizarra". Las prostitutas não deviam convidar o aliciar os transeuntes pelas janelas: assim explicam-se as "janelas com tabuinhas".
É claro, esta casa de passe é um lugar de prazer sexual mais também, de noite, um lugar animado onde não se toca piano - instrumento das raparigas da burguesia - senão "onde como no campo a cigarra / Se canta fado à guitarra" instrumento dos bairros populares de Lisboa. O decoro é esquisito quase de mau gosto com "quadros de gosto magano" ... A pesar do cofre forte tudo é bastante pobre, parco e "no fundo não vale nada ": "o gás acabou e ilumina-se a petróleo". A casa desperta a curiosidade bastante malevolente das vizinhas... A letra do leilão - outro fado - diz " a vizinhança zangou-se / fez um abaixo-assinado, /diziam que havia fado ali até madrugada"...
É claro, esta casa de passe é um lugar de prazer sexual mais também, de noite, um lugar animado onde não se toca piano - instrumento das raparigas da burguesia - senão "onde como no campo a cigarra / Se canta fado à guitarra" instrumento dos bairros populares de Lisboa. O decoro é esquisito quase de mau gosto com "quadros de gosto magano" ... A pesar do cofre forte tudo é bastante pobre, parco e "no fundo não vale nada ": "o gás acabou e ilumina-se a petróleo". A casa desperta a curiosidade bastante malevolente das vizinhas... A letra do leilão - outro fado - diz " a vizinhança zangou-se / fez um abaixo-assinado, /diziam que havia fado ali até madrugada"...
Uma casa de passe decerto, mas uma casa de janelas que se revela à nós cativante pela magia da letra, da melodia e sobre tudo da voz do Alfredo Marceneiro - Linhares Barbosa escrevia em 1937 :
Mas que atrai, que seduz... É bem a voz
Do fado rigoroso, a voz do Alfredo.
Tem na garganta um não sei quê de estranho,
Que perturba e nos faz cismar:
É dor? É medo? São visões d'antanho?
Amor? Ciúme? É choro? É gargalhar?
Que perturba e nos faz cismar:
É dor? É medo? São visões d'antanho?
Amor? Ciúme? É choro? É gargalhar?
É voz do fado - dizem - e eu convenho
Que ande na sua voz a voz do mar,
Onde Portugal se fez tamanho
E aprendeu a cantar e a soluçar.
Que ande na sua voz a voz do mar,
Onde Portugal se fez tamanho
E aprendeu a cantar e a soluçar.
O Marceneiro tem aquela atroz
Sonância d'onda infrene que em rochedo
Fareja e morde, impiedosa e algoz.
Sonância d'onda infrene que em rochedo
Fareja e morde, impiedosa e algoz.
É voz roufenha que nos mete medo,
Mas que atrai, que seduz... É bem a voz
Do fado rigoroso, a voz do Alfredo.